quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Para lá da linha ténue

Viajantes sem tempo

Somos peregrinos do tempo
com as raízes
que se destacam no âmago do peito.

Caminhantes
dos vales ciprestes
e dos rios
que banham as margens
no desfiladeiro das emoções.

Viajantes sem tempo
dominados pela esfera
que os poros da alma dilaceram…

De nada vale
correr
para chegar ao derradeiro lugar,
este está tão perto
como perto está o levitar!

Ana Coelho

Gestos sem reflexo

Não é o abandono
que me dói,
também não é a ausência…
mas sim a saudade
nos braços de uma lágrima
perdida no vão da luz.

Frestas que se confundem
pelas silhuetas eclipsas
no pensamento,
trespassadas pela inconfesso
dos gestos sem reflexo!
Ana Coelho

domingo, 26 de dezembro de 2010

A mente liberta

Já questionei
tudo que tinha que questionar!


Já duvidei
o nada que tinha que duvidar!


Hoje pergunto
somente ao mundo
o significado de significar!


O conjugar
de actos e gestos,
não escutar palavras…


Interroguei!
Dispus todos os poros íntimos,
somente escutei
ventos internos inócuos…


Apalpei
razões na conexão da consciência!
A universalidade que contenho
é o meu coração rubro
a pulsar nostalgia
e a mente liberta!


Na exclamação
que pinto toda a inquietação
de ver partir
o que por ventura nunca foi inteiro.


Assim serei o que sempre fui
eu por inteiro na verdade
que me confere e não me fere!


Ana Coelho

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ao alcance da voz

Onde estou o meu olhar, vive

Nunca fui
com vontade de ficar,
se fico é porque estou!
Onde estou
sou a livre vontade de perdurar.

Se parto
deixo o silêncio
não corto ramos
ou pedaços de jardim!

Na sacola
tenho sementeiras,
atiro-as na terra…
Sem vozes ou cantares!

Onde o meu corpo vive
a minha alma está presente.

Onde a minha alma vive
o meu corpo é lugar habitado…
Sem fardos ou bagagens densas
para satisfazer olhares abstractos!

Nunca fugi
com medo de ficar,
em tudo oferto o meu olhar
…onde estou o meu olhar, vive!

Assim como o antevês…


Ana Coelho

Novos traços

Recebo da longitude
o sopro frio da distância,
cerro o olhar
procuro a razão nos poros da questão...

Reencontro
a proximidade das horas,
onde a porção
é agora a utopia
que não se alimenta.

O meu coração lamenta!

O meu espírito esboça novos traços…

Tudo fica guardado
nos pedaços que uniram,
não se partiram…
Contudo fugiram
sem esteio causal!

Dentro da minha noção
a brisa suave
é o aconchego que respiro
…livre com o sorriso
que sempre beijo
com o meu olhar!

A tudo isto talvez chame,
saudade de te encontrar…

Ana Coelho

Ao encontro do teu silêncio

Há uma voz
dentro do peito
que sussurra baixinho
impulsos que os suspiros afagam.

Estendo os passos
pela praia onde nasci,
ondas frescas
derivam nas oscilações
que o céu me guarda.

Elevo o olhar
ao alto
inspiro o aroma do infinito,
as águas profundas
abraçam as palpitações,
o rosto navega
ao encontro do teu silêncio.

As vestes de paz
que a boca anseia
embalam a brisa
que envolve
a silhueta clarividente!
Ana Coelho

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Bocejos da lua

Serei eu
o sol
a luz
ou a escuridão
de um dia nublado?

Serei eu
o intimo vivido
no cerne da consciência,
livre de aparências vãs?

Enrugada nos sorrisos
que solto ao vento…

Serei a luz
mesmo no escuro da noite
que caí em cada bruma?

...Mesmo
oculto no silêncio
o sol guia os traços
para lá dos bocejos da lua!

Ana Coelho

Saliva da memória

Dobro a esquina da luz
onde a saliva da memória
se rende ao rosto rubro,
bebe do riacho
no âmago aquecido
pelo ventre audaz
de um sonho sem nome

Presença robusta
apreendida pelo silêncio
em falanges de filigranas,
transversais linhas
na íris agasalhada
pela omnipresença
do chão lúcido
por onde os joelhos se dobram
os ventos sopram
e as folhas do Outono redondo
adormecem nos braços do orbe…

Ana Coelho

Poesia com o olhar

Do infinito horizonte
bebo fragrâncias de mudez,
atento a voz
com sóbrio vocábulo
descodificado
pelo olhar
que as concebe no ventre!

Metáforas que me tocam
com sílabas traçadas
nas veias que correm
pelo busto…

Nuances que se alongam
no meu firme olhar
por onde a poesia me leva.

Quem me escuta
senão o silêncio
e as palavras vertidas
no cerne da vida?


Ana Coelho

O meu Novembro

Eu não conto Primaveras
reúno Outonos
nascidos do Verão
que me embalaram o berço,
nutriram o meu desenvolver
me elevaram ao expoente
de ser a idade madura
com toda a ternura...

Desfio mais um Outono
no crepitar da lareira
aconchego mais um ano,
o ano transacto
com tantos pedaços…
Pêndulos dentro do olhar,
viragens e aprendizagens
acolhidas na leve forma
do meu caminhar…

É de Outono
que se veste a minha Primavera
nas margens
em que os poros fluem,
contagem crescente
de mais uma viagem
com a bagagem repleta de passado
rumo ao futuro a receber do hoje
a imensidão de um dia
eterno de gratidão!
E
com uma única palavra
alcanço o mundo!AnaCoelho
Amor


Águas límpidas

Desenho uma flor
nos traços subtis de um poema
em sépalas de luz
coroando o pólen
na ponta fina dos dedos
em lapsos dos segundos
entre orvalhos e poeiras
com os salpicos de nuvens
que me aconchegam
a voz no perfil do infinito
que absorvo
nos pináculos do silêncio
onde me dispo
e revisto de águas límpidas
a fonte que guia
as correntes sem estagnar
a luz inebriante
como o vento que canta
nos cumes da montanha
que todos os poros fecundos
encontram para lá dos muros
erguidos pelas mãos alheias
em ruídos
que o silêncio não obtempera…

Ana Coelho

Um povo onde mora o meu coração

Respiro o ar leve da terra
no aroma forte
abraçado pelo vento
no ventre da planície
que o meu olhar devora…

Demoro os olhos
pelos girassóis no amarelo caloroso
que me afaga todas as sensações!

Volvo pelo meu íntimo
os trigos dourados
que na natureza são pintados
pelas mãos suadas de um povo
que vai envelhecendo nas horas.

São eles os bravos triunfadores
e serenos receptores
do calor que vibra nos meus dedos
quando deixo a silhueta
viajar pelos segredos
em fragrâncias
que levam o meu coração como guia…

Ana Coelho

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Injustiça

Versejo a quente
as vestes de um dia frio,
o pensamento é um icebergue derretido
nos calafrios imaginários
da grande multidão…

Supérfluos estratagemas
a dor que chega nos sopros infames
do pulsante olhar,
golpes na alma
que sangra silenciosa,
a injustiça do universo
movido pela avidez humana…

Rasgo de inverdade
no altar
onde os lustres
se ajoelham
de costas voltadas
ao céu que os acolhe…
Ana Coelho

Pensamento sem voz

O crepúsculo abre o novo calor
nos gumes do olhar,
acariciam-me
os últimos raios finos
de um imenso sol
que o meu pulsar veste…


Desce a colina
deita-se no lençol do rio
nos braços da noite
que acorda sonâmbula
com o pensamento sem voz…


As emoções sorriem nos olhos!


Os teus passos
aproximam
as batidas suave do coração.


…O teu beijo
é a ânsia que agora se desvanece
com o meu rosto
deitado nos teus ombros!


Ana Coelho

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Em torno dos arcos
o véu esvoaça
em penas que não se alcançam
com o corpo dormente
em sulcos do ontem
perdidos no hoje,
entendesse o céu
dádiva das tuas mãos
o tapete do futuro
que o andar oscilante
se segura e brama
nas ondas paradas do mar
na força subtil da tua vontade
reabre-se para que as névoas adormeçam
e os sonhos da tua voz
se façam ouvir
nas veredas
de todos os séculos vindouros…
Ana Coelho

Balsamos de silêncio

Sempre que o silêncio acorda
as brisas suaves aconchegam
as minhas memórias,
delas colho o néctar puro
nos ombros do futuro,
por onde descalça
me visto
da voz
que os fios de luz
me segredam,
as mais infinitas verdades
do hoje,
sem naufrágios ou subterfúgios!


A veracidade é alva não habita o escuro…
O silêncio é o poderoso
amigo da claridade
que habita o âmago da firmeza do destino!




Ana Coelho

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A incerteza é a profunda certeza

A incerteza é o cume da esperança
em traços que o destino verseja
nas ânsias que a luz afaga
pelos poros que a ela transporta…


É o brilho do universo
esquecido pelo mundo
contemplar a suprema beleza
nos arcos desenhados pelo crer…


A firmeza dos gestos
nas ocultas vertentes
que o sangue almeja
na peleja de cada ser…


Crescer com o olhar
fecundado no fundamento
que não se vê
mas que o coração sente
na certeza de se engrandecer…


É viver para lá da existência!


É sentir na consciência
de a um grande criador
pertencer
mesmo na angústia
de peito repleto
agradecer os espinhos
que nos fazem renascer…


A incerteza é a profunda certeza
de o infinito entender
a transpiração das sementes
que cabem em cada amanhecer!




Ana Coelho

Lua solitária

As vozes dobram-se
no ruído mudo da noite,
desentorpece-se nos silêncios diurnos
de um hexágono colateral
nas sombras em chama
perímetros do astro rei
que por lapso da memória
se entrelaça nos poros
das nuvens
que o vento balança no tempo.


Esvai-se
nos solavancos dos dedos
esquecidos por palavras
adornadas em frases nunca ditas,
porém vividas no cerne
mais profundo
de uma lua solitária
no uivar dos lobos exasperados…


Ana Coelho

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pegadas

Na sombra das minhas costas
não existe escuro…


Pegadas de areia visíveis pela luz
que as guias…


Movimentos lunares
nas pálpebras abertas do sol!


Um lugar meu
onde o teu sentir
é o meu levitar
longe do abismo
que contorna o mundo,
sepulta almas
a cada trago amargo
da cegueira alastrada
pelos invisíveis escultores
que não escutam o silêncio…


Aquele que grita
caminhos transparentes
na feroz agitação do mundo!


Ana Coelho

Liberdade dos sonhos

Hoje deixei o silêncio
entreguei o corpo ao vento
no dorso de um cavalo alado,
cavalguei…
Por dunas vestidas de insignificância.


A indiferença da justiça
no olhar da humanidade
escondida por véus…


Pelas veias galgam
nuances na ténue vigília da noite,
percorri segredos
na liberdade dos sonhos.


Estendi as mãos para sentir o céu
o toque das estrelas
a cor do universo,
descoberto na brisa do espírito.


O sol tocou-me os lábios
sarça-ardente
na ponta cinzelada dos pés!


Da vida escutei
a claridade da noite
em palavras de silêncio
que a luz me entrega!


Desenvolvi sem teias o caminho
por onde os passos
chegam de mansinho
na ondulação constante
que o destino me afaga
e transporta
à plenitude de um nada
ser o tudo
que ergue o corpo
no jasmim de mais um dia
…em que renasci!




Ana Coelho

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Anverso do destino

As lágrimas não pensam
o pensamento é uma lágrima
de emoção
esculpida no âmago do peito…

Perder o sonho
mergulhar o olhar na voz do mundo.

A lágrima é análoga
não solitária
vertida
sentida
vivida
nos poros de filigrana
onde os sentidos respiram…

Inspiram pedaços de sal
no cristal desenraizado
pelo centro da íris com vida!

A lágrima
é o profundo abismo do pensamento
no anverso do destino!

Ana Coelho

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A voz retoma ao hoje

A lua perdeu a memória
o relógio toca as doze badaladas
o lampião dos sonhos
geme nas folhas caídas
pelo ventre entorpecido.


Espero o nascer do sol
enquanto se esfumaçam
os dias na madrugada
envolta de brumas amarelecidas.


Cheira a manhã
num fio de suspiros
enquanto os candeeiros se calam
as pálpebras movimentam-se
em pequenas lembranças.


O Outono chega cedo
é a aragem
que as mãos encontram
nas rugas do rosto.


O espelho enaltece os timbres
no balanço do silêncio
a sede bebe o aroma da boca
e a voz retoma ao hoje
nos vasos escarlate aquecidos
pelo teu semblante
tatuado na minha eterna lembrança .




Ana Coelho

Palpitações que sorriem dentro de mim!

O Outono grita pedaços de Inverno
dançam as nuvens em balbúrdia
no ventre do céu…


Pelos vidros escorem
gotas aconchegadas pelo vento,
o silêncio verte sussurros
num cântico vestido de branco.


A noite procura os vértices da madrugada
onde os corpos se vestem de palavras mudas!


Escorrega-me o pensamento
na ponta fina dos dedos,
balançam em mim metáforas
que se despem na contra luz das emoções!


Assobiam as folhas das árvores
a minha voz ausculta os sons
no fim da aurora,
os lábios vociferam acordes de silêncio,
palpitações que sorriem dentro de mim!




Ana Coelho

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Voo incontrolável

Quando a carne
domina o espírito
as emoções são guardadas
no baú oculto das sensações !

O desejo domina
os valores
e os valores tomam
o mosto do imperfeito!

Deambula-se no prazer fácil
e a dor ganha asas
num voo incontrolável,
deixa um sabor no desdém do mel
…fel em néctar
que se dilui em castas
que apodrecem
todos os movimentos de Ser…


Ana Coelho

Serena luta

Existe um foco
que em mim trabalha,
labuta numa serena luta
é a tua luz
reflexos compreendidos
nas pedras rústicas
de um vasto caminho.


A demora do sol
no atalho vertido
nas lâminas do tempo.


Os ombros do mundo
choram
vertem rios readormecidos
sem licença da vida.


O corpo rende-se
nas arestas polidas do chão,
pela luz.


A luz do teu olhar
que me acalenta o espírito
e abraça a alma
sempre que o meu ouvido
escuta o teu vento,
dele bebo cânticos…


Frestas abertas
para me lembrarem
que todos os dias
és tu o guia
do meu caminhar,
leve
tremulo
sonhos sonâmbulos
engrandecidos
no olhar atento
erguido pelo teu poder
infinito e abrangente…




Ana Coelho

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Somente com a emoção

Sem rosto
sem mãos
somente com a emoção
é possível conhecer as palavras!
As que vibram no âmago do peito,
entranham-se e multiplicam-se
sem face ou vértices ondulados.

Palavras
que curam
mudam os silêncios
encadeiam a eternidade
num vinculo fechado
vociferado…

Soletradas na boca
que as propaga
como fogo em chamas
ou água que banha
o mais cristalino rio,
onde os corpos desnudados se renovam
sem amornados prenhes em dissabores.

Palavras e palavras!
Que se calem as palavras,
fechem-nas até à eternidade!

Ana Coelho

Serena agitação

Dentro do peito escondo o sol,
nas águas reflicto as sombras
húmidas da paisagem
caem sobre o chão
orvalhos escorridos
dos cristais da lua,
os nenúfares bailam
na serena agitação do rio.

Voam gaivotas
na rota do sul,
navegam imagens
ao encontro do novo céu…
 
Ana Coelho

Luar em pausas

Este é um tempo de provação
na ausência das línguas
o repouso
da chuva na terra de nuvens.

Os gestos grávidos
escutam os silêncios
nos ecos do bosque,
visão nocturna
do luar em pausas
vestido de sombreado.

A rouquidão da tez
engasga o lineamento lúcido
deste aroma de chamas
que crepitam no capim da alma.

As notas do piano
segredam cadências
e os timbres em clave de fá
são o pronuncio do idioma
de Pentecostes!

O tempo não pode ser trocado
nem os términos
deixados ao acaso do mundo
onde os pertences
são o ouro dos olhos sinuosos
abortados na inquieta espera…

Ana Coelho

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Palavra

A palavra é uma alma
desenhada pelos dedos
nascida no algar do entendimento!


É vida
som e arte…


A palavra é a muda voz
que o espírito grita
aos sons medianos da escrita,
é a luz do teu olhar
na linha que o eu te dita!


É tudo ou nada
no (in)fértil chão que a veste…


É a alma,
espírito ao som do teu ouvido
absorvida na essência do olhar imenso
na sombra dos sentidos!


Ana Coelho

Vagabundo dos sentidos

O poeta é
um salteador de emoções
vagabundo dos sentidos,
sem abrigo
pelas nuas palavras
que descodifica em cada imagem.
Marginal sem lei
grande escultor das sensações
no silêncio das sílabas
que vestem o pensamento.
Com o imaginário solto
no cume da utopia,
um mundo cego
com os olhos fecundos
da liberdade
acariciada em cada estrofe
tantas vezes puramente desenhada
na essência que navega
nos gumes da veracidade!

Ana Coelho

Danço pelo silêncio descalço

De soslaio
cumpro mais um dia
do destino sem vestes,
viajo por uma ponta solta
do relógio
em finos poros de areia
na agulheta tremula do tempo.


Danço
pelo silêncio descalço
e o ébrio do amanhecer é o crepúsculo
por onde sonham as pedras
cativas do universo…


Um vapor de algodão
estendido no infinito
pintado pela universalidade
do olhar descoberto
pelo amante eterno
senhor e tutor do destino
que molda as silhuetas da vida
aos lúcidos peregrinos
escolhidos desde o ventre materno
à eternidade dos dias…




Ana Coelho

Reedificação

O corpo padecia
no frio de uma noite
despida de luar…


Reedifiquei
o ser na robustez da alma
que canta serenatas
ao espírito inquieto…


A força da ânsia
desvaneceu-se
nos alforges,
reminiscência longínqua…


Foi o silêncio
que me ensinou o segredo,
não como os outros o conhecem!


Esta poderosa quimera,
assim por entre os dedos
caminha a beleza,
no marejar das lágrimas
que rasgam nos lábios
nuances da infância…


Tacteada nos poros líquidos
do segredo,
aquele que é o meu prenúncio
aberto no tempo
por onde a vida vagueia…




Ana Coelho

Vagas sem voz

Percorro
com o olhar difuso
as águas da noite
num rio estrelado…

Vacilo
em focos inefáveis,
o silêncio é ambíguo
escuto-o cantar…

Os gritos mudos
param os relâmpagos intemporais
que se carregam
nas vagas sem voz,
murcham as terras inférteis
debotam aromas…

Os olhos arrepiam-se
no oscilar das mãos
a ponta das unhas tremulas
arranham pigmentos de coragem
no ápice da confiança
que os ombros teimosamente albergam.

Envolvo o infinito dos bosques
nele encontro
uma nova semente
na margem do rio que me alimenta!


Ana Coelho

Vácuos da saga do navegador

Por vezes a noite
é uma longa linha
transversal no indistinto
até às primeiras unhas da madrugada,
tantas vezes o escuro
grita estrelas
que se embalam no céu
e dentro de nós
a inquieta sensação sem voz.


Nem sempre a alma
encontra o chão
que no fundo está tão perto.


Do mar chega
um sabor sem fim
nos vácuos da saga do navegador,
o calor que resta
está na flor da pele
que queima os hexágonos da aurora.


Trocamos palavras
escondidas nos cristais da lua,
perturbante mistério
é o vigilante da noite.


Quando ao rosto
chega o sopro do deserto
irrompe uma porta levíssima
tocha rubra que une
as curvas da terra e do sol,
passaporte para a passagem
em que o espírito
tem no corpo a lei da eternidade.

Ana Coelho

As mãos têm sede

Despi as ideias
quimeras imponderáveis,
com o olhar ceguei os vultos.

Sinto-me escorrer
nos contornos do desejo,
as mãos têm sede
a visão é o talismã
das madrugadas silenciosas.

A alma livre
embriaga-se de pétalas
nos pés calçados pelo espírito!

São flores colhidas
no jardim alvo
onde a infinita alma
se ergue nua…

Ana Coelho

Axiomas da consistência!

É supérfluo
o manto que veste o mundo,
paradigmas desalinhados
nas largas avenidas…

O orgulho desbota os olhares
a usura é o traje vulgar,
avidez calada em cada rosto…

Rumos… rumos
equidistantes
nas hostes que correm
dia após dia,
obstáculos no vácuo
onde os corações se iludem…

Axiomas da consistência!

Romper o véu
escutar os murmúrios cândidos,
ter na voz a gratidão
libertar o externo,
no interno
semear a essência
de uma pequena flor…

Ter a vastidão do universo
sem ânsia
nos líquidos poros
do infinito viver,
para lá da mera sobrevivência.


Ana Coelho

Luz do infinito

As nuvens
são frágeis pensamentos
de um silêncio
na luz do infinito,
onde o amor
se alonga por traços
unidos no tempo
e o tempo é tão somente
uma viagem do corpo
nos transpirados sucos da alma.

Pedaços de nada
unidos em teias de néon
com os murmúrios cândidos
perseverados nos raios amarelos
que vestem o corpo
em cada manhã.

Os pés abraçam o tempo
as mãos caminham
em gestos de lúcidas oferendas
até ao altar
onde os ecos são melodias
da própria voz.


Ana Coelho

Séculos dec pigmentação

Este exímio levitar
que por mim vagueia
em séculos de pigmentação
pintados na alquimia
dos malabarismos
que o pensamento refaz
em reflexão
nos esboços da razão
pincelada com os olhos erguidos
para lá da ponta dos pés…

É um sono sem sonho
pela voz que escuto
por de trás da mudez,
pregas do espírito
na sonância bebida
no cálice disponível
há humanidade…

Conheço-me
desde o avesso
na transparência
de uma cristalina gota
que recebi do altar aromático
onde o teu pó repousa,
e eu ouso contar
nas entrelinhas
dos meus parcos pensamentos!

Ana Coelho

Movimentos da mente

Por detrás do silêncio
esconde-se a solidão
em tentáculos abraçados
nos ruídos paralelos
dos segundos
movimentos da mente!

Aspectos íntimos calados
na penumbra da difusão…

A reflexão ajuda o silêncio,
o silêncio para lá da reflexão
arrasta a solidão
em traces de sôfregos
fragmentos
em côncavos excertos de carne
no interior da cútis!

O suor mudo dos rostos
os sorrisos pálidos
nas esfinges da voz
em ecos brancos,
quatro paredes
despidas de harmonia…

Ana Coelho

Ao encontro dos teus dias

Deito
as inquietações no santuário do espírito
versejo tópicos no sopro do vento,
com ele o Outono
é um pábulo
aquecido no borralho
das chamas que em mim se iluminam…

Fico sentada
respiro
o aroma interminável da tua presença,
abraço em silêncio a tua ubiquidade…

Nas veias
penetra o bálsamo
a calma que nutre todo o pó que sou…

Em ti fermento
prospero
ao encontro dos teus dias!


Ana Coelho

O suor das palavras

Para lá dos montes
a lua desfia pedaços da insónia
sem vontade de partir.

Tudo se movimenta
numa brisa escorrida…

O suor das palavras
caminha
com a ilusão nos bolsos vazios.

O rosto transparente
tem marcas do sorriso
que é o sol de todos os instantes
de inverno enraizado na branca neve,
calcificado nas pontas dos pés…

Estrelas cintilantes
em veredas acalentadas
pela voz audível no silêncio.

Ana Coelho

Solavancos exímios

A utopia liberta
uma chama profunda
galopando pelos traços cansados
das asas adormecidas no chão,
segredos quimeras
em solavancos exímios
pelas memórias
que não se evaporam…

Caí a noite
com ela os vagos mistérios,
contos bordados nas estrelas,
lágrimas de anjos
que clarificam o escuro céu,
consagram esplendor
à solidão nocturna
com melopeias
em harpas de arcanjos
conselheiros em luz…

Para que sempre
o sonho possa morar e avultar…


Ana Coelho

Realidade

Nos gumes de silêncio
exasperam estilhas
nos idolatrados meios
que engolem as horas,
toda a terra chora
nas costas dos olhos
que em altivez caminham
com a fronte erguida
para lá das emoções,
projectam a cupidez
no adorno fugaz
que alimenta o ego
a avareza sem freio…

O vulgo
ah! O vulgo
cala e demora-se,
o livramento de uma condenação
inevitável,
adiada em cada falso rasgo de alento
que os faz calar
obedecer piamente
até ao descarte final.

Bebem do cálice
onde o mel
é comutado por fel
sem dó nem piedade,
pelos que se enfartam
em cada novo esboço
onde as contas de um rosário
nada são
na álgebra dos cartões dourados…


Ana Coelho

Genuína força do âmago

Sei de mim
num espaço perdido
numa cávea com as portas abertas
onde o espírito
está acorrentado
pela genuína força do âmago.

Não vislumbro o céu
e a terra foge da sola dos pés.

No centro da epiderme
um glaciar
de emoções, sentimentos
em combustão de edificações
que me enrugam o esqueleto
na longitude da razão
os olhos contemplam
o coração agarra na fúria
da ultima linha invisível
um sustento suspenso…

Nasce o fogo
fervilham as veias
neste abismo por onde tudo se esvai,
um absinto
que me engole e leva ao apocalipse…

Ana Coelho

Setembro, a outra parte de mim!

É Setembro
mais uma vez
o tempo recorda
a toalha de linho
o mosto em pleno alvor,
a terra canta nas cordas de uma guitarra
a caneta deixa cair
poucas palavras…

O sol devolve
o teu esplendor
em cada orvalho da alvorada,
gotas doces do néctar
nos timbres do recomeço…

Sim é Setembro
com voos líquidos de sonhos
por onde o olhar se lava…

Nas formas de um cântico
beijo a tua vida
por mais um ano
suspiro perto do ouvido,
sussurro baixinho
“Parabéns amor”

É Setembro
nasceu a vida a outra parte de mim!



Ana Coelho

Extinção da minha palavra

Que mais poderei eu dizer
com as poucas palavras
que me restam no abecedário.

Onde poderei eu
subscrever os rascunhos
amarrotados
na penumbra do meu cálido olhar?

Escreverei em lúcidas
comedidas
na primeira voz do dia
pendurada no relógio parado
na parede
das insanas entranhas…

Num rasgo de lucidez
as mãos pendem
na esfera da caneta,
é o fim do vocábulo
o laço termino
um desfecho aconchegado
na minha linguagem
com os poros da tez em soluços
em mim extinguiram-se as palavras…


Ana Coelho

Momentos sem esboço

Não vivo de esboços
vivo de momentos
cadências que me chegam
trazidas nas brisas suaves
de todos os dias,
ondas vibrantes
que encostas a mim
mordendo o sossego
até à plena entrega…

Uma desfolhada
em sementes de girassol
na cor do sol
a coroa lírica da tua
sublime existência!

Nas trincheiras do medo
é sempre o teu alimento
que me produz ânimo
e me conduz ao próximo momento…

Vestes no meu tímido corpo
as roupagens dos meus ocultos sonhos
em pergaminhos de miríades tuas!

Ana Coelho

Contra-mão

Mais alto que o sonho
a eterna realidade
que devora os instantes!

Cingir as mágoas
onde o orgulho é bandeira hasteada.

Fechar a mão
nos ombros cruzados,
indefinida pena
segura numa âncora,
um barco que veleja
ao gracejo do vento norte…

A sorte de uma luta
gladiado de tristes cantares,
quando a vitória
é o traje que vestes,
as veias correm
em contra-mão da verdade!


Ana Coelho

Aromas da terra mãe

Vi a alma em chamas
no prado que a viu nascer,
ficou apenas o meu ser
nas cinzas depois de arder!

São vagos os prados
a voz que por eles cantam.

Um ramo agitado
é o silêncio que rompe
os aromas da terra mãe!

Caem pelo meu ventre
pétalas
uma a uma
nas asas do vento
que me segredam essências.

Não as reconheço
estão despidas,
ramos secos
num Outono apregoado!

Nuas flores
jardim perdido
no paraíso do Éden!


Ana Coelho

Vento desértico

Recolho o teu rosto das gotas de chuva
uma tarde de chuviscos inesperados!
Nego a nuvem cinza
que se infiltra nos raios de sol.

Comungo da sede
a nudez das portas entreabertas
que bailam ao vento desértico,
molda os vidros estilhaçados
neste tecto sem chão!

Os pensamentos são o anverso
do agitado silêncio
que assobia nas cordas de um violino,
enigmas de ilusão
que invocam em vão
os cálices sussurrantes
de uma voz amortalhada!

Na tribuna do olhar
as gotículas escorrem
sem pressa com a transparência de um cristal,
contemplo com o tacto do silêncio
a alma que se enrola
num manto invisível
despido pela lua cheia…

Tento limpar os delitos
que se arrastam
nas vestes negras de uma Primavera
esquecida pelas sementes
do grande cultivador de sonhos.

Os meus olhos bebem
o ébrio crepúsculo deste destino
…o violino toca,
toca no altar
coberto de açucenas e jasmins
que nutrem a ilusão dos fragmentos que restam…


Ana Coelho

Não te deixarei uma carta

A carta que nunca te escrevi
está cinzelada em meras palavras,
na poesia sem métrica
nas metáforas vestidas de nada,
no livro que ainda não escrevi…

As lágrimas estão lapidadas
nas letras manchadas amarelecidas
soletradas nas sílabas que em ti aprendi!

Mas tudo não passa de palavras
…palavras que não se escrevem,
palavras que não se dizem!

Assim quando partir
não te deixarei uma carta selada,
ficará no teu sentir
as palavras que por ti vivi,
os gestos para lá do papel rasurado
com o meu sentir calado.

Procura um bilhete
no lado direito do peito
é lá que saberás que sempre te correspondi!


Ana Coelho

Metamorfose

São tantas as ocasiões
que me pergunto,
que faço eu aqui?
Sem saber os traços definidos
de uma qualquer razão…

Talvez sejam os teus olhos
os freixos de orvalhos
vestidos de laços soltos na brisa
de uma coroa de lírios brancos…

Ou então as palavras trocadas
na penumbra do cântico de um bando
de rouxinóis com as penas
em ténues azul florais
despidos na claridade
dos finos raios de sol…

Saiu
caminho por outro trilho
…retomo
aos passos antigos
porque mesmo sem saber
tenho aqui a metamorfose ditosa
no vértice de cada desfolhada…

Assim largo as questões
aprisiono os verbos na calada dos versos
recolho todos os cristais
no regaço aprumado
em que as respostas se libertam
mesmo sem eu saber o porquê…


Ana Coelho

No trago de um novo dia!

Amanheceu…
As vozes cansadas, cruzadas da noite
desceram
pelas filigranas
dos primeiros raios de sol!

As cores tomam forma!
O horizonte
é a tela viva
que o olhar busca…
As telas difusas afundam-se.

O corpo espreguiça-se
no trago de um novo dia!
Um cálice a saborear…

Para lá do espelho de água
os reflexos
traduzem novas esculturas.

A noite voltará
e só será igual
se os movimentos do dia
pararem as horas
no interno relógio do vento…

A força da areia fina
escorrega e a robustez
é o impulso que movimenta o acreditar…

Ana Coelho

Nada nos pertence

O destino empresta-nos
tantas coisas,
não obstante
nada nos pertence
um sopro de vento
tudo se transforma
num segundo sem pena…

Nas páginas da vida
fica tudo num fluir
nas formas universais
com que agarramos as feições unilaterais!

A escultura do tempo
é o varrer da nossa inanidade
saciada pelo olhar,
na direcção
em que nos fazemos andar!


Ana Coelho

Arena

Uma multidão sustem a respiração
o pó envolve o ar da arena
impulsos fortes sacodem o peito,
homens trajados do século passado
afoitam a força animal
cansado da sátira humana.

O que move este preceito?

Estes actos
vestidos de coragem
onde o sangue bárbaro
escorre no dorso
de um ser que deambula perdido
num circo de feras…

Uma glória?
Encostar o corpo nas hastes de um perdido gesto…

Caídos os corpos
com marcas negras da bravura
uma vitória na inglória arena
onde lágrimas podem ficar vincadas
nas almas que enfim esperam…

O que move a tradição
a que ainda tantos se erguem em aplausos
e outros tantos dão
da saúde e da vida aos aplausos?

Onde está a evolução
do discernimento dos homens?


Ana Coelho

Sem símbolos de outonais ventos

Na sensível perspectiva da emoção
escuto a ausência
nos murros que lentamente
se erguem
na janela das minhas retinas…

Irradiam fragrâncias tuas
lembranças ainda tão próximas de mim.

Afastas-te…

Galgo as escadas de roldão
fluo dentro dos ecos de silêncio
imagem por imagem
vasculho minúsculas partilhas,
os olhos enchem-se de água…

O tecido orgânico
que o ventre concebe
sem anverso nem reverso
é escura a razão
que não encontro…

Uma cidade safara
ergue-se sem que eu descubra
as foices
que quebraram estes laços.

As árvores morrem
no tempo dos homens
sem símbolo de outonais ventos…


Ana Coelho

Vestígios

Durmo
e no sono o sonho
da alma cristalina
lapsos dos momentos
que nada se sente.

Acordo
e a madrugada
é um rio que corre
velozmente para abraçar
as correntes do mar.

Levanto-me
encosto o olhar pelos vidros
gotas suadas
escorrem na transparência do ar.

É dia
mas o sol dorme
os corações são ameias
nos vestígios do sal !

Ana Coelho

Anseio o teu bálsamo

É a transparência do fluido
que me escorre da alma,
a luz do espírito
que em Ti se ilumina
a Tua voz
no silêncio é um sopro fugaz
que sempre me chega!

Quando quedo o corpo
amortalhado das penas,
cicatrizes na tez amadurecida.

Ergo as mãos
ao cume do peito,
uma concha volvida para o azul
onde os Teus prados são dourados
em todos os tempos!

Anseio o Teu bálsamo
na calma que de Ti aprendi,
abro o velho livro
nele bebo da inesgotável
fonte que um dia saciou
toda a minha sede!

Bebo mais um trago
os poros deixam cair
gotas cristalinas do Teu amor!

Ana Coelho

Entaramelado

Ventos estáveis…
ancorados nos vértices da lua…
sonhos que voam…
asas que curam feridas…
sons que se definem…
rostos que se apagam…
fissuras que se resguardam…
nos vultos dos gritos…
perdem-se no hoje…

Ana Coelho

Incerteza

Toda a incerteza
Toma conta do corpo ténue.
Exclamam
Pelas fontes águas agitadas
Balançam em alvoroço
Numa corrente sem aviso…

Todo o peito
Se esfarrapa pelos impulsos
Trémulos,
Um som forte
Mata toda a exactidão
Que incessantemente
Procuro destapar…

Decaio
Mais um pouco
Nesta penumbra nublada
Onde o sol se despede
Sem nunca ter chegado!


Ana Coelho

Uma recta de princípios sempre vivos.

As cinzas não aquecem
são escombros de fogo ardente…

Parar não é viver,
viver é renascer
em cada Fénix !

O que foste já não és
o que és
não serás amanhã,
o ontem
é o fio lúcido de hoje!

Um acto covarde
é um alvéolo no âmago
e as ameias
os perdidos fragmentos de ontem…

A palpitar a seiva
de flores silvestres
uma recta de princípios sempre vivos.

No aquário transparente
de um espírito que vivi,
revivi e de sorrisos se alimenta!


Ana Coelho

Poros de liberdade

Esboçamos ilusões
nas linhas oblíquas das mãos,
a sina indecisa
certezas profetizadas pelos gestos,
efémera ciência do abstracto
que molda a razão
como barro fundido
no calor dos símbolos profanos…

O vertical dia
ofusca a luz
no lusco-fusco
que deambula na ante noite
…a luz está aí,
nos recantos de uma melodia
nos poros da liberdade
com que se ousa olhar o céu
no redondo mundo
que procuramos longe
das hostes negras
que na sombra
segredam logro
em moldes encenadas
por de trás da luminosidade!

O actor és tu,
neste palco onde o acto
é o improviso das tuas mais intimas segregações!



Ana Coelho

Creio na voz do mar

Mitigar do sonho

Um pedaço de nada
aprisiona as duas faces
como lâmina prateada
que se refaz em cada passagem.

No crepúsculo das vagas ondas
os pés incertos
descem falésias
com a convicta certeza
do voo plausível…

Ciosa a silhueta
estranha as vestes
retorcidas da irrupção,
as cinzas sobrevoam
por nevoeiros clarividentes!

Resistimos

Como rocha possante
nas areias balsâmicas do insondável mar
em danças serenas e robustas…

Das cinzas brotam a nova chama
o reacendimento…

Uma gota de água
desliza na testa
encontra o peito a mitigar o sonho
no umbral da porta
que nos conduz a levitar
nas fragrâncias celestes!

Ana Coelho

Intervalos de silêncio

Tenho o sol no rosto
e o mar a embalar-me
os pensamentos,
num vento leviano
no profundo abismo
que o espírito suspira
ausências vagas
em ondas incertas
como a maresia
que escorre nas fases cansadas,
compreendo os intervalos de silêncio
em lapsos de cortesia
que se enrolam
nas areias quentes de verão
…os olhos tropeçam
e as mãos ardem
em sorrisos
os lábios reabrem-se
em lastros de pigmentação!


Ana Coelho

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Palavras cruzadas

Os pássaros,
livres movimentos no planar do vento
não vivem a saudade
nem a emoção das vertigens.

Nas rectas e eloquentes jornadas
os traços são paralelos
no hexágono sentir dos passos.

Todas as sílabas são cascatas livres
que descem pelas rochas lavradas !

As palavras esvoaçam
cruzam o apogeu dos céus
e os limites do solo fértil,
acordam em cada enlaço
e enlaçam-se em cada regaço…

Tecem amores e alienações
esgotam o mel e o fel
em cada gota vertida no asilo do olhar!

Arranham a pele e acariciam o árido véu!

As palavras são só palavras
cruzam-se em cruzadas
pintadas na solidão em meras poesias
ou prosas provadas de exímios instantes
desalinhados na folha virgem
de um papel com vida!

Ana Coelho

domingo, 3 de outubro de 2010

Prisioneiros do mundo interno

Procuras saber quem sou?
Tentas encontrar para lá de um rosto, traços de uma vida, pedaços que possas alastrar. Vasculhas incessantemente e trocas conversas com o outro ao teu lado.
Queres saber quem eu sou? Que importa quem sou?
Porque escrevo e porque o faço?
Tu quem és?...Não respondas um nome, um cunho pelo qual te apresentas. Quem és?...Não sabes!
Encontras-te tantas vezes nas minhas palavras mas focas o olhar em descobertas vagas.
Não poderás saber quem sou, o que sou nunca será o que encontras.
E tu quem és?...Não sabes, jamais te procuras para não correres o risco de te encontrar, não suportas olhar o espelho de frente com a silhueta despida e alma aberta na claridade.
Não encaras o passado e do presente foges.
Outorgas culpas e julgas culpados na vã esperança de te libertares…
As grades estão cravas e inquebráveis no centro de tudo…
É a solidão, respondes, a solidão! Essa é a tua construção do paralelo exacto em que te focas na dispersão do “eu” em intima comunhão com a confusa mente que esquece…
Movimentas-te com sorrisos e deixas cair dos lábios conversas supérfluas, falas cada vez mais e entendes de muitos e variados assuntos. Se não encontras ninguém usas o telemóvel, mandas uma mensagem, assim a mente está ocupada.
Dizes saber dos distúrbios dos alheios e gritas que queres dar-lhes a mão, na mão esquerda tens sempre um lenço para aparar as lágrimas, a mais nobre acção de solidariedade…
Mas e tu? Quem és tu?
Onde te perdes-te?
Não te encontras mas buscas em mim a solução.
Encara de frente os teus medos, limpa o teu interno sótão, abre os livros antigos com os projectos futuros, deixa cair o nome que te encobre o rosto. Vive a tua solidão deixa a multidão em espera (ela espera sempre no mesmo lugar), agradece a vida a Deus, sente a beleza das flores,”olha os lírios do campo” e os pássaros que das sementes se enfartam. Agarra o tronco de uma árvore que vive há séculos com as raízes sólidas numa terra fértil, abraça-a sente a sua força motivadora…
Não grites liberdade sem quebrares as correntes invisíveis que emolduram a tua verdadeira essência.
E eu quem sou? Sou um “eu” tal como tu e tu um “eu” à imagem de todos!


Ana Coelho

O tempo...passa lento

Não tenho tempo!
O quotidiano rouba todos os traços do dia,
a agitação é total
o espaço vazio
é um minúsculo movimento
que não se encontra…

As flores nascem e morrem nos campos!
As árvores deixam voar as folhas
e novos verdes se apoderam das raízes.
Os amigos afastam-se…
Os anos passam…
Passam nas rotundas
traçadas nas distracções das mentes assoberbadas!

Num ápice do instante breve
tudo se revolve…
Paramos na berma de um caminho,
num quarto branco sem molduras…

E o tempo?
O tempo passa lento
muito lento…na lentidão dos segundos espaçosos,
desfeito em gotas descalcificadas,
os prumos da saudade são insanáveis!

Ana Coelho

Efémeros momentos

…é nas searas de vento
que os sonhos se eternizam
nas vielas do longo olhar!

…é nas brisas marinhas
beijadas pelas brancas nuvens
que as gotas escorrem,
fazem-se sentir no deslizar
dos efémeros momentos!

…é no sol
que os dias se aquecem
e na lua que todos os segredos
se confessam
ao som dos pulsos unidos
no tacto da voz!

Ana Coelho

Marcas da saudade

Existem palavras
que com o tempo
ganham novo vigor.
Existem sentimentos escritos
que jamais pensamos viver,
quando acontecem
resistimos em sorrisos,
aprisionamos emoções…

O tempo passa…passa!

A saudade
ganha contornos indesejáveis.

Contudo
sentimos na distância
uma presença vincada,
no passado tão próximo
a ajuda a alcançar o futuro…

Um obrigada
é sempre
uma curta palavra
para definir
as marcas deixadas
e nunca esquecidas…

A saudade abraça os momentos,
os momentos tornam-se longos,
as recordações impulsos de vida!


Ana Coelho

Parece um jardim

Aquele lugar
parece um jardim…
São tantas as flores
em imensos cores…
Cobertas de terra!
Regadas pelo lacrimejar
de variados olhares
que semeiam
saudades
nas muralhas brancas
que aconchegam a ilusão
de uma presença…

Um jardim
de sonhos soterrados
na eternidade
sem retorno…

Ana Coelho

sábado, 2 de outubro de 2010

Trilhos de sonho

A viagem perfilha
Em trilhos marcados pelo sonho…

Na nação do sono
A cabeça ergue-se
Ao encontro do novo sol…

As estrelas prateadas
São o abrigo eterno
Das noites ténias
Onde os poetas
As escutam contar utopias
De todas as vidas…

O rosto destapa o cinzento
No branco de uma nuvem de algodão
Prossegue
Ao som das harpas a tocar
No horizonte por encontrar…


Ana Coelho

Estação do tempo

A árvore tem luz
em forma de asas
no jugo dos ramos
viçosos de uma nascente,
os aromas brotam da terra
e as raízes
alicerçam-se no alto azul
por onde o branco
navega em desenhos de algodão,
regam os solos
e germinam as mais belas flores
em cores diversas
para os olhares atentos
que sabem beber a essência
e o néctar de sal
que refaz os cânticos
em cada estação do tempo…

Ana Coelho

O tempo é singular

O tempo é um singular caminho
unido por dois pontos sem distâncias!

Dentro das margens, o coração dos homens,
são as sementes, raízes do amanhã…

No fundo dos sonhos
no cume das poesias
existe a alegria
e um trilho sem mapa…

Oh! Tempo
singular tempo
deixa as penitências
e nos lábios do povo
grava a gratidão
que as veias aquecem
porque os olhos não voltam a trás…
E tudo esquecem num vento
parado no egoísmo das horas…


Ana Coelho

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Corpo frágil

Como esquecer
A dor que faz doer
No corpo frágil
De uma vida
Que foge longe da guarida

Como esquecer
Quando a alma
Não quer ver
E o espírito
Rasga a pele
Em traços rubros
A carne foge no horizonte

Como esquecer
Aquilo que o pensamento
Sugere
E alma quer abandonar
O sangue escorre
Nas entranhas de uma ferida
Dorida e sem vida

Como esquecer
Quando a alma
Habita a fragilidade do corpo
Que abriga a dor de ser…

Ana Coelho

domingo, 26 de setembro de 2010

Padrão unificado

Vivo sem sombras,
no tempo que me aconchega
envolvo o que sou
num padrão unificado
nas hostes do sol.

Caminho nos traços
tracejados pelo alvo movimento,
ao lado esquerdo
largo o alcatrão
de um trilho antigo!

As cinzas das nuvens
são o asilo dos meus duros pés,
a lua é o sol das noites
que em mim se alimenta,
a sombra
é o pano ténue
de uma estrela áurea
no azul celeste do céu
que para mim foi guardado
pelo teu amor!
 
Ana Coelho


És só silêncio

Há um silêncio
que dói!
Na surdez dos gestos
nos ecos inexpressivos
onde circula estático…

Há um silêncio
que dói!
Na voz do momento
que se desvanece em tormentas
na força do ópio
que alucina a mente…

Ah! Silêncio
porque fazes doer
se em ti existe tanto sossego!
…mas és dor,
magoas
no mais profundo
dos ossos secos
nos ruídos do vento…

Contudo és só silêncio!

Ana Coelho

Emoções em alva cor

Vesti de branco
o manto de um dia
que o sol cobria,
embalava-me em sonhos
que o olhar
queria esquecer!

Vesti o branco
num dia de chuva,
saí à rua
em busca do infinito
que fica perto do meu levitar!

Vesti…
Deixei o coração
morar na alva cor
me faz renovar…


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Paisagem abstracta do paraíso

Construímos por de trás do olhar
um mundo,
paisagem abstracta do paraíso
em nós
para nós
e com os outros…
Ignoramos as imagens
para lá de um outro olhar
que do paraíso
tem outro trilho a lá chegar…
Tornados à nascença
nascentes de água
em miragem…

Por onde seguir então?

Confinar dois trilhos
e desfiar em consonância
de compreensão!

Das sombras erguer luz
e na luz
com as mãos nas mãos
encontrar a razão.
dar forma à aurora
com a sinfonia dos olhos…
 
Ana Coelho

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dá-me a voz da razão

Não digas porque,
diz-me só a razão
a motivação
das rugas no teu rosto
do estado estático das tuas mãos
e do teu sol nunca mais se ter posto!

Não te condenarei
não sou juiz nem lei,
só busco a causa
dos teus delírios
que te acompanham furtivo!

Não, não me contes segredos
nem palavras decoradas
nas noites de luar!
Diz-me por onde vagueia o teu medo
o mote das tuas derivações!

Dá-me a voz da razão
aquela que cada um possui.
E assim talvez
eu encontre o porquê,
te estenda a mão
e os dois
saíamos do chão
com a renovação
de um condenado em absolvição!

Ana Coelho